quinta-feira, 1 de julho de 2010

GARANHUNS DE LUTO


Uma história de amor às letras teve, ontem, seu capítulo final. O jornalista e escritor Waldimir Maia Leite morreu por volta das 16h, na UTI Coronária do Hospital Santa Joana, no Recife, aos 84 anos.Ele estava internado na unidade há dois meses quando foi identificado o câncer na pélvis. Contraiu uma infecção respiratória e morreu. O sepultamento do jornalista vai acontecer às 16h de hoje, no Cemitério Parque Morada da Paz.

Letrista antes de qualquer outra coisa, ao longo da vida dividiu a paixão do jornalismo com a poesia. Atuou por 51 anos no jornal Diario de Pernambuco, onde foi repórter, editor de primeira e segunda página, subsecretário de redação e colunista da Paralelo 8. Ao longo da carreira, publicou diversas obras e chegou a ganhar o Prêmio Recife de Humanidade. O reconhecimento do trabalho realizado se encontra nas palavras de familiares e amigos, nas publicações que o perpetuam e até mesmo em monumentos, como o da Gaivota Karina, em frente ao Hospital da Aeronáutica, símbolo de um dos poemas demaior notoriedade do escritor.

Segundo o presidente dos Diários Associados no Nordeste, Joezil Barros, Waldimir unia a objetividade à ludicidade construindo um jornalismo que poucos conseguem fazer. "O espírito lúdico e poético o perseguiam. Foram mais de 50 anos no Diario e ele era de uma geração de poetas, como Mauro Mota, Costa Porto, César Leal, Antônio Camelo. Eles praticavam um jornalismo que hoje não mais se vê. Podemos dizer que ele faz falta", salientou. Outros companheiros de profissão também lamentaram a perda. "Meu primeiro trabalho no jornal foi diretamente com ele. Era exigente, perfeccionista e também muito culto. Certamente, deixou um legado muito positivo", comentou o colunista João Alberto Martins Sobral.

Para outros jornalistas, como o vice-presidente institucional dos Diários Associados, Gladstone Vieira Belo, Waldimir era um notável da sua geração. "Ele tinha um excelente faro jornalístico e para o sentido da notícia. Quando se voltou para a vida literária, deixou um acervo que honra asociedade pernambucana". Autor dos livros O ofício da busca, Meio século na Praça do Diario, Poemas de outono, Terra molhada e Viajante das palavras, com o passar dos anos Waldimir conquistou espaço e reconhecimento na literatura, chegando a ocupar uma cadeira na Academia Pernambucana de Letras (APL). "Ele tinha erudição muito arrojada, uma preparação intelectual muito boa e logo revelou-se poeta. Vai fazer muita falta", ressaltou o também escritor Raimundo Carrero.

O jornalista deixou sete filhos e os planos da publicação de uma nova obra em homenagem a um dos netos. "Meu pai conseguiu transformar o intangível em tangível. São histórias de poesia em papéis de pão e gaivotas que ganham poemas, músicas e se tornam pedestal. Meu filho segue os passos, bem como muitos dos netos. A poesia é a maior das nossas heranças", comentou um dos filhos, Emanuel Maia Leite, 55.

Fora os trabalhos exercidos no Diario de Pernambuco, Waldimir também foi assessor de imprensa da Sudene, do Departamento Nacional de Obras Contraa Seca, do Sindicato dos Jornalistas e da Associação de Imprensa Pernambucana. No Sindicato, lidou diretamente com Ayrton Maciel, presidente do SindjoPE. "Ele era uma pessoa extremamente agradável, de uma cultura sem tamanho. Era solidário e companheiro e hoje sabemos que deixou o nome consagrado entre os grandes jornalistas de Pernambuco".

Do Diario de Pernambuco


Um dos ultimos trabalhos do grande colunista:



                O interlúdio


                   Waldimir Maia Leite

Basta-lhe um pouco de voz. Brinca, então, com os sons (que são palavras, tépidas como mucosas). E a liberdade de articular o verbo, como quem elabora uma oração. O verbo, indicando uma ação: o ato de possuir, praticado pelo sujeito.

Depois (assim como um punhado de minutos) sai levando a imagem nos lábios. E põe em dúvida um verbo infinito: o amar.

Sono, tão audível como uma voz humana, a romper longo e antigo silêncio, o corpo debruçado como um fruto maduro, à espera de inútil colheita. (Corpo úmido para semente).

A vibração equacionada, propagando-se por ondas, no corpo-a-corpo do leito desfeito. E o som das mãos, a harpa do sexo. Sonância de pedir.

Son(âmbulo).

Não o acordem para o real.

Só um pouco de voz (gota d'água sobre pedra). E as duas mãos, quase em côncavo, sob a nuca e por entre os cabelos: o gesto de completar o cerco à cidadela, já sem resistência.

Os movimentos, velejando como uma jangada, alternados primeiro. Depois, frenéticos como quem domina a tempestade. O barco, a conduzir e ser conduzido. Êxtase é porto.

A voz, interlúdio de adormecer. Basta-lhe isto. Nada mais quer. E o som, como um ensaio para o novamente.

As horas, vigilantes como o amanhecer que (a)guarda o inevitável Sol.

Os sons, tão divididos como vãs palavras. Nos lábios úmidos; e nos olhos de lago parado sob o mormaço da tarde. Um suspirar de quem recorda coisas antiqüíssimas, com sabor de saudade.

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