Uma família, por mais ilustre e importante que ela julgue ser, não pode se arrogar decidir os rumos de uma campanha presidencial. Muito menos os parentes de uma família
Seguindo as lições de Hegel, Weber e o nosso brasileríssimo Sergio
Buarque de Holanda - o pai de Chico Buarque de Holanda - a matriz
formadora do estado brasileiro é a moral da família, ou a ética de
Antígona, onde os deveres e as lealdades de sangue se sobrepõem as do
estado republicano. Diz o historiador paulista que o patrimonialismo é a
marca registrada das nossas instituições políticas locais e nacionais.
Os chefes políticos e oligarcas pensam que o estado é um mero
prolongamento da organização familiar. E agem, segundo o famoso dito
popular: "amigos e parentes, tudo. Aos inimigos, os rigores da lei".
Nada mais contrário ao espírito do Estado Moderno (também chamado de
racional-legal ou burocrático) do que a ética da família, dos irmãos,
dos filhos, dos maridos ou dos avôs. O estado não pode e não deve ser
gerido como uma "Casa Grande", segundo a vontade e as conveniências do
chefe ou dono da organização de parentela, como diz a Maria Isaura
Pereira de Queiroz.
Uma família, por mais ilustre e importante que ela julgue ser, não
pode se arrogar decidir os rumos de uma campanha presidencial. Muito
menos os parentes de uma família. O Estado republicano é maior do que
uma oligarquia familiar, seja o nome que ela carregue. O Estado é
público, a oligaquia é da família e dos amigos e apaniguados. Os
negócios do estado são públicos, de todos os cidadãos. Os negócios da
oligarquia dizem respeito aos interesses da família. A condução do
processo sucessório da chapa do PSB e o tratamento dado a esse processo
pela mídia e as instituições competentes em legislação eleitoral no
Brasil e Pernambuco não podem fechar os olhos para essa "ação entre
familiares e amigos" que tem sido a questão sucessória do falecido
candidato. Ou existe partido, instituição pública, com estatuto, comando
e diretório, ou uma sociedade conjugal ou familiar se sobrepõe à
organização partidária e decide como vai ser a disputa e eleitoral. O
luto de ninguém autoriza tal aberração institucional. Afinal, há leis ou
tudo é permitido na República basileira.
A escolha de uma militante pentecostal, vinculada por votos de fé à
Igreja evangélica Assembléia de Deus, por decisão do irmão e da esposa
do falecido, reduz à disputa sucessória a quem acredita em Deus, no
criacionismo, na Bíblia, no casamento heterossexual etc. E em quem não
acredita ou aceita esses dogmas religiosos. A esfera pública-eleitoral
dessas próximas eleições não pode se reduzir a um debate pobre,
fundamentalista, conservador como esse, enquanto os problemas
econômicos, administrativos, sociais e de infra-estrutura aguardam
pacientemente por uma solução. Há um casamento do obscurantismo com o
familismo amoral nessa saída. Nem um nem outro é salutar para a
sociedade brasileira. Aqueles que defendem um estado laico, republicano e
socialista têm que se manifestar diante de uma tal retrocesso nas
conquistas democráticas do povo brasileiro.
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