quarta-feira, 11 de março de 2015

LUTO NO ÔNIBUS

                  

                A comida começava a rarear em casa quando Jessé de Paula agarrou-se com força àquela oportunidade. Não era um trabalho dos sonhos de um violinista, mas ajudaria no sustento da casa modesta, em Rio Doce, na periferia de Olinda. A tarefa era aparentemente simples: venderia CDs e DVDs piratas nas ruas. Um dia, soube de um amigo preso por fazer o mesmo tipo de comércio ilegal. Amedrontado pela possibilidade de parar atrás das grades, afastou-se do bico. De um dia para o outro, estava novamente na mesma. Sem dinheiro, morando sozinho e sem qualquer horizonte de emprego pela frente. Jessé, o violinista, precisava de uma solução.

                     As sugestões vieram rápido, dos próprios amigos músicos. “Por que você não se apresenta nos ônibus?”, disseram. Jessé, que conhecia de música erudita, andava dedicando-se, na época, a ler e escrever canções da Música Popular Brasileira (MPB) no J. Duo, dupla instrumental de violino e violão que fazia com o músico Jau Melo. Convencido de que a ideia poderia dar certo, montou um repertório de MPB, colocou o violino no braço, junto com o aprendizado obtido no Centro de Educação Musical de Olinda (Cemo) e no Conservatório Pernambucano de Música, e seguiu em busca de paradas de ônibus que o fizessem melhorar de vida.

                    Pouco a pouco, o jovem reuniu dinheiro suficiente para pagar o aluguel de um lugar melhor e até a prestação de uma moto. Os passageiros gostavam da atração inusitada. Até nas horas em que os motoristas tentavam barrar a entrada do músico, havia quem o defendesse entre os bancos desconfortáveis dos coletivos.

                 Nascido em Rio Doce, Jessé conheceu o universo da música nas igrejas evangélicas do bairro, ainda criança. A avó e a mãe bancaram a arte da música para o jovem. Uma suposta guinada na carreira aconteceu depois de Jessé suar muito nos coletivos. Decidiu, um dia, apostar em uma apresentação surpresa na frente da casa de Ariano Suassuna, em Casa Forte, no Recife. Deu certo. O mestre paraibano convidou Jessé para entrar na residência famosa e até o contratou para algumas apresentações nas aulas-espetáculo. O cachê foi dos melhores que já havia conquistado na vida.

                Jessé imaginava que estava mais perto do estrelato e distante do anonimato dos ônibus. Não era bem assim. Chegou a se apresentar no Janeiro de Grandes Espetáculos, com a banda Armorial Rock, um trabalho autoral, e no carnaval de Olinda, em 2013. Ganhou matérias em jornais e televisões. A carreira que parecia desabrochar para um maior reconhecimento, voltou a ser levada nos ônibus. Ultimamente, dizem que ele buscava o metrô como palco. Coisas da vida de artista, que parece ter mais altos e baixos que qualquer outro profissional.

               O violino de Jessé silenciou para sempre no seu último cenário de apresentação. Depois do músico ser atingido por uma composição de metrô, na Estação Largo da Paz, e cair morto, o instrumento foi recolhido por funcionários do metrô. Testemunhas disseram que Jessé estaria tentando pegar um dinheiro que havia caído além da faixa de segurança. Outras afirmaram que ele estava de costas ou mexendo no celular. As câmeras da CBTU apontaram que a última hipótese era a correta. O músico morava em Porto de Galinhas, em Ipojuca, e pegava o metrô para vir ao Recife.
O delegado de Afogados, Humberto Ramos, abriu um inquérito para apurar o ocorrido. Hoje pedirá as imagens da câmara do metrô e dará início à intimação do condutor do vagão e das testemunhas. A princípio, analisa, teria sido um acidente, mas nenhuma hipótese está descartada, mesmo a de suicídio. 

             Jessé, dizem os amigos músicos, tinha um extraordinário talento no violino. Nos ônibus, no entanto, lançava sempre o bordão de que estava naquelas condições para ajudar a mãe e porque não havia abertura de concurso para músicos no Recife. Jessé, em tese, poderia estar tocando em uma orquestra sinfônica ou em uma Banda da Cidade do Recife, por exemplo. Mas qual o espaço adequado quando falamos de atingir as pessoas com a música? O violinista levou sua arte embora em meio a um acidente trágico, exatamente por conta da forma que escolheu para tocar sua música. Mas não sem deixar um traço de pioneirismo em centenas de viagens realizadas no transporte público da Região Metropolitana. O metrô e os ônibus não serão os mesmos sem Jessé.

por Marcionila Teixeira/foto Alcione Ferreira

*Colaborou Alice de Souza

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