Brasil, 30 de novembro de 2015
O direito à educação está distante de ser consagrado no
Brasil. Mais de 3,5 milhões de crianças e adolescentes, de 4 a 17 anos, estão
fora da escola. Segundo a Constituição Federal, com o advento da Emenda
59/2009, todos os brasileiros nessa faixa-etária devem estar matriculados até
2016 – e dificilmente isso ocorrerá. Além das demandas estabelecidas pela Carta
Magna, até 2024, o Plano Nacional de Educação (PNE) determina a necessidade de
criação e manutenção de mais de 3,4 milhões de matrículas em creche e mais de
13 milhões de matrículas para a alfabetização de jovens e adultos.
Os desafios nacionais são enormes, advém de dívidas sociais
históricas e precisam ser enfrentados. A educação é um direito fundamental,
parte essencial da cidadania e está listada como o primeiro direito social no
artigo sexto da Constituição Federal.
Consagrar o direito à educação exige a abertura de escolas,
além da qualificação urgente das matrículas, com a garantia de um padrão mínimo
de qualidade – conforme determina o PNE por meio do Custo Aluno-Qualidade
Inicial (CAQi) e demanda o parágrafo primeiro do artigo 211 da Carta Magna. Em
vez disso, em todo território nacional, é verificado o fechamento de turmas e
escolas, da creche ao ensino médio, nas cidades e no campo, com forte ênfase na
Educação de Jovens e Adultos (EJA). E essa medida contraproducente e arbitrária
tem sido empreendida em processos administrativos impostos às comunidades
escolares, alheios às questões pedagógicas.
A proposta de reorganização de escolas no estado de São Paulo
é mais um exemplo dessa lógica perversa que se espalha pelo Brasil. Não foi
debatida junto às comunidades escolares, tampouco com a comunidade educacional
e com a sociedade paulista. Pela falta de critérios técnicos e de um documento
público que justifique a medida, tudo indica que é uma ação orientada à redução
de custos e de desresponsabilização do Estado com a oferta de matrículas,
pressionando a transferência de responsabilidades aos municípios.
Diante desse fato, a rede da Campanha Nacional pelo Direito à
Educação, que há 16 anos luta ininterruptamente pela garantia do direito à
educação no país, manifesta seu apoio aos estudantes paulistas que ocupam suas
escolas, legitimamente amparados pelo sistema de justiça, que até aqui tem negado
– quase sempre – os pedidos de reintegração de posse ao Governo do Estado. Os
estudantes estão dando uma verdadeira aula de cidadania e luta pelo direito à
educação.
Desse modo, a Campanha repudia o fechamento arbitrário de
mais de 90 escolas públicas no Estado de São Paulo, sob o argumento de uma
“reorganização” baseada na separação das escolas por nível de ensino. E reitera
que é inaceitável o fato de que não foram amplamente divulgadas as
justificativas técnicas que embasam estruturalmente a proposta. Até o momento,
graças à Lei de Acesso à Informação, apenas veículos de imprensa tiveram acesso
a essas informações. E segundo consta, elas evidenciam a ausência de
racionalidade pedagógica.
A posição da Campanha Nacional pelo Direito à Educação no
caso de São Paulo, e em qualquer processo que resultará no fechamento de
escolas em qualquer lugar do Brasil, é consonante com o princípio de respeito
às opiniões das crianças e dos adolescentes no que se refere a seus direitos e
com as premissas do direito à educação estabelecidas nos principais documentos
de direitos humanos internacionais, em especial com os artigos 12, 15, 28 e 29
da Convenção dos Direitos da Criança da ONU. Todos esses ditames estão
refletidos na legislação brasileira no Estatuto da Criança e do Adolescente –
ECA e também com as metas e estratégias contidas no Plano Nacional de Educação
(Lei 13.005/14), afora o direito fundamental à participação asseverado na
Constituição Federal. A negociação e as consultas devem também ser prática corrente
no tocante ao fechamento de escolas e turmas da modalidade da Educação de
Jovens e Adultos (EJA), na qual, desafortunadamente, o encerramento de
matrículas é prática frequente. E isso explica o fato de o Brasil ter mais 13
milhões de analfabetos com mais de 15 anos.
Mais do que fechar cerca de 90 escolas, a atual proposta de
“reorganização” do ensino atingirá mais de 1.500 estabelecimentos, prejudicando
estudantes, suas famílias e milhares de profissionais da educação. A análise
dos poucos dados existentes demonstra que seria possível reorganizar escolas,
porém negociando com todos os envolvidos, sem fechar estabelecimentos. É isso
que se espera da gestão pública: promover direitos, não limitá-los. A Campanha
Nacional pelo Direito à Educação sugere, portanto, aos estudantes e ao Governo
do Estado de São Paulo, esse caminho: nenhuma escola deve ser fechada. Ao
contrário, todas devem ser melhor geridas, de modo democrático.
Ao visitar as ocupações e dialogar com os estudantes, a rede
da Campanha Nacional pelo Direito à Educação externa sua preocupação com a
forma como se dá a presença da Polícia Militar nas unidades escolares ocupadas.
Já ocorreram conflitos e há risco constante de que os estudantes sejam vítimas
de acuamento e atos violência. Qualquer tentativa de calar os alunos ou as
comunidades escolares por meio da intimidação ou da força só aumenta a violação
dos direitos humanos. Ademais, desnuda a forma truculenta como o Governo do
Estado de São Paulo tem tratado do assunto, em um jogo incansável de
contrainformação, tentando jogar estudantes contra professores e pais contra
alunos por meio de pressão de ordem administrativa. Nesse momento, é preciso
diálogo, com base na promoção dos direitos educacionais.
Alinhada com os posicionamentos públicos das faculdades de
educação da USP, UFSCar, Unicamp e com o colegiado da Unifesp, a Campanha
Nacional pelo Direito à Educação insiste que o problema que se enfrenta em São
Paulo deve chamar a atenção de todo país.
Entre 2002 e 2014, mais de 40,7 mil escolas do campo foram
fechadas. Apenas em 2014, segundo análise do Censo Escolar produzida pelo MST
(Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), 4 mil escolas do campo foram
fechadas. A Bahia (872 unidades), o Maranhão (407) e o Piauí (377) lideraram o
fechamento de escolas nas áreas rurais em 2014. Inclusive, fica evidente a
necessidade de legislação para tratar do assunto, no âmbito das diretrizes e
base da educação nacional. O país deve evitar e problematizar o fechamento de
escolas.
Ao estabelecer contato com os jovens e adolescentes que
ocupam suas unidades escolares e ao analisar o cenário brasileiro, a rede da
Campanha Nacional pelo Direito à Educação manifesta seu apoio integral aos
estudantes que ocupam centenas de escolas paulistas, não apenas defendendo seu
direito à matrícula e à manutenção de suas unidades escolares, mas também
reivindicando estabelecimentos públicos que ofertem qualidade da educação. Que
suas lutas inspirem todo o Brasil a debater, com profundidade, as políticas
educacionais, constrangendo e encerrando a prática equivocada do fechamento de
escolas.
CAMPANHA NACIONAL PELO DIREITO À EDUCAÇÃO
Fonte: www.campanhaeducacao.org.br
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