sexta-feira, 28 de maio de 2010

SAMARONE LIMA - RUMO ÀS PEDRAS DO REINO

Saio de Garanhuns, com destino a Arcoverde, que fica a 90 quilômetros. De lá, terei que cruzar parte de Pernambuco, tentando chegar a Bom Nome, onde irei encontrar meu amigo Iramarai. A previsão é seguir para São José do Belmonte, de onde partiríamos em mais uma caminhada para as famosas “Pedras do Reino”, imortalizadas por Ariano Suassuna no “Romance da Pedra do Reino”. A viagem tem traços de aventura e de amor à literatura.
O ônibus da Jotude é velho, a passagem de Garanhuns a Arcoverde custa R$ 9,00. Para quem é acostumado a viajar pelo interior, o cálculo é simples: cada quilômetro custa em média R$ 0,10. Saímos às 9h, a viagem é demorada. Estou no famoso “pinga-pinga”, tipo de ônibus que não pode ver uma rodoviária. Paramos em Caetés, Venturosa, Pedra, até que chegamos a Arcoverde. Foram 2h30 para percorrer 90 quilômetros.
Nem deu tempo de ligar para minha amiga Teresa, descolar a bóia. Um carro estava saindo naquela hora para Serra Talhada, por R$ 20,00, quando o certo deveria ser R$ 16,00. Lógica cartesiana não serve para viagens. Seu Antônio fica na rodoviária, sabe que dentro de meia hora vai sair um pinga-pinga para Serra por R$ 21,00. Ninguém é besta de ficar esperando, gastar mais, e demorar a chegar em casa.
Somos quatro dentro de seu carro, uma Van comprada em 2005, que o motorista pretende trocar no final de ano. Somos cinco passageiros: eu, um moreno que fica no banco traseiro, e três rapazes com ares de travesti, lentes de contato verde, cabelos aloirados e badulaques os mais diversos, fora os batons e brincos de argola. Vou na frente, porque gosto do vento no focinho, e o entra e sai de gente, ao logo da viagem, é menor.
Meia hora de viagem, e fico sabendo que de Serra para Bom Nome serão mais 40 quilômetros, e de Bom Nome a São José do Belmonte, mais 20.
Meus leitores devem estar se perguntando sobre esta preocupação em dizer os roteiros picotados, quando seria mais simples pegar um ônibus direto de Garanhuns a São José do Belmonte. Acontece que nossa malha ferroviária foi destruída, restando a malha rodoviária, gerenciada por empresas que disponibilizam ônibus somente nos horários que interessam. Durante o dia, as viagens por todo o interior de Pernambuco são feitas por Vans, Veraneios, Toyotas, Rurais e todo tipo de veículo, dos anos mais incertos, encontrados facilmente nos pontos de apoio ou nas guaritas.
Depois de mais alguns quilômetros, os jovens aloirados informam que vão dançar em Solidão, uma cidade que fica quase na divisa com a Paraíba. Vão dançar no show de “Assizão”.
Não sei se a informação mexeu com os brios do motorista, que imediatamente pegou um CD de forró eletrônico da pior espécie e botou para tocar. Escuto com um certo estupor o “Forró do Créu!”, e penso que o fim está próximo.
Passamos pelo Rio Coxi, que está seco. Do lado direito da pista, uns 12 urubus em cima de um jumento, morto recentemente. Coisas da estrada. “Coroalina à 5 km”, essa estranha obsessão de quem pinta placas, de colocar crases no “a” que indica distâncias.
Passamos pelo Rio Feliciano, que está seco. No CD, uma canção poética que encanta milhares de pessoas, feita praticamente de três verbos: “beber, cair, levantar”.
Ponte sobre o Rio Moxotó. O rio, neste ponto, está seco. Pouco depois, “Doce Mel”, outra campeã de audiência. “Você me deixa louca/doce mel/doce mel”. Um imenso outdoor informa: “Va tomar no Fusca”. Deve ser uma banda nova, que não conheço. Vai se apresentar no “Coliseu de Arcoverde”.
Vamos andando. Nossa Van é um caso raro no mundo das viagens: não entra e não sai ninguém. É o horário. A essa hora, mais de meio-dia, o sol é de rachar. Todo mundo que não é besta, já fez a feira e voltou para casa. Agora está mesmo é cochilando. Em Custódia, um desafio à reforma ortográfica:
“Vende-se e conserta-se cinuca”;
O motorista muda para a rádio. O locutor manda umas duas músicas, depois explica:
“Inter é entre. Net é mundo. Internet é estar no mundo. Mande sua sugestão ou comentário pelo nosso email”.
Toca Elino Julião, um brega dos velhos tempos. Finalmente, uma música com história, saudade, desencontro, desesperança, drama. Comento com o motorista que só gosto de brega mesmo se for dos antigos. Ele também gosta dos cantores das antigas, diz que Elino Julião se acabou na cachaça. Falo que Balthasar (“Sarah/Onde é que você se esconde”) está de mal a pior, segundo meu informante especial, Seu Azevedo. Ele cita Alípio Martins, falo de Adelino Nascimento, depois ele entra com Fernando Mendes, e resolvo ficar na minha, porque não é gincana.
O apelido do motorista é “Tota” desde pequeno. Tem oito filhos, sendo quatro homens, quatro mulheres. Pega o celular e me mostra a foto do mais novo, que se chama Gabriel, de quatro anos. Ele cita Amado Batista, e às 13h35, a rádio manda Fernando Mendes (“E nesse desespero em que me vejo/Já cheguei a tal ponto/De me trocar diversas vezes por você/Só pra ver se me encontro”). Depois, o refrão bárbaro: “Você não me ensinou a te esquecer”.
Seguimos conversando, o vento quente entrando por todo lado. “Serra Talhada à 5 km”, me informa o DNER, creio, que não tem um setor de revisão de placas.
Serra Talhada. “Auto Peças Não Tend Tudo”. Obrigado pela sinceridade, mas esse “tend tudo” realmente não dá.
“Solidão fica a 100 quilômetros”, me informa Tota, mas às vezes solidão fica mesmo é por perto, rondeando a gente.
Chego em Serra Talhada. Outro carro a Bom Nome custa R$ 4,00. Lá vou eu.
Na Veraneio - Entro numa Veraneio de ano incerto. O motorista usa um boné do exército. Não diz uma palavra a viagem inteira. Ao meu lado, uma moça muito bonita e muito séria, com os irremediáveis óculos escuros, que escondem metade do rosto. Mais tarde, o carro para. Uma mulher e seu filho, duas bicicletas. Desço, ajudo a botar as bicicletas no bagageiro, ela nem agradece, fica por isso mesmo. Nesta hora, o céu fica encoberto, e o clima ameniza.
Um rapaz sentado ao lado do motorista, um magricela, escuta algo em seu celular. A música sai numa ótima qualidade, pergunto o nome do grupo. Ele me passa seu Samsung. Está escutando “Os Levita”, grupo de músicas evangélicas. Me passa, para que eu escute de perto. A gravação é muito boa mesmo, comento.
“Baixei as músicas da Internet”, diz ele.
“Os Levita”, para quem não sabe, é uma dupla que canta músicas evangélicas, como Sandy e Júnior. Não sei se são tão aguados quanto.
Desço em Bom Nome. O carro espera pela entrada de três rapazes. Boto a mochila nas costas, quando vejo um homem se aproximar. Me diz que meu amigo já foi para São José do Belmonte, e está à minha espera, na primeira pousada à direita.
“E como o senhor sabe que ele é meu amigo?”-, pergunto.
“Ele disse que vinha passar por aqui um cabra alto, cabeludo, barbudo, galego e de óculos. Só pode ser você”.
Era eu mesmo. Agradeci e segui. De Bom Nome a São José do Belmonte foram mais R$ 2,00.
Mal entrei no carro e me ocorreu uma questão existencial: galego, eu?
Estou acompanhado agora de três jovens, de no máximo 17 anos. Vão jogar futebol de Salão, um torneio em Belmonte. Um deles conta loas e boas de seu futebol. Faz gol de qualquer canto. Pois sim.
O caminho é de apenas 20 quilômetros. Desço, vou procurar meu amigo. Erro três pousadas. Passa uma bibicleta, informando que a discoteca “DSB” vai funcionar. As primeiras 250 mulheres entram de graça.
“Só luz e brega!”, prometem.
Na quarta pousada, a recepcionista, dona Maria, me informa que meu amigo está lá desde ontem, mas que saiu para dar uma volta. Peço uma cerveja e um peixe. Três rapazes bebem um bocado. Quando passo, me cumprimentam, perguntam o que faço ali.
“Vou caminhar com um amigo até a Pedra do Reino”.
Um deles é Renato, da Associação Cultural Pedra do Reino. Me abraça, eufórico, dá os telefones todos, diz que vai comigo. Um copo é providenciado, enchem de cerveja e brindam duas ou três vezes. Os outros dois pedem para anotar o número deles também. Anoto tudo. Eles vão com umas garotas para a Paraíba, daqui a pouco. Se encontrarem um bafômetro pela frente, vão se dar mal.
Eles vão embora, então vem um silêncio súbito, merecedor, me dedico à minha cervejinha e meu peixe. Iramarai chega. Vamos para mais uma caminhada
PS – Texto revisado por Inácio França, indignado com as escassas matemática e geografia do autor.

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