A presidente eleita Dilma Rousseff vai assumir, em 1º janeiro, já recebendo uma herança em dívida política e com a história recente do País, ônus que o presidente Lula não conseguiu quitar. A nova presidente vai encontrar no arquivo da Secretaria Nacional de Direitos Humanos uma cobrança de movimentos sociais e pais, filhos e irmãos de desaparecidos políticos: a abertura dos arquivos secretos da ditadura militar de 1964. Famílias e entidades reclamam a localização dos corpos e o esclarecimento das mortes dos militantes políticos que até hoje não se sabe o destino, as sepulturas nem as identidades. Dilma assumirá com as condições políticas que o atual governo não teve: maiorias na Câmara e no Senado folgadas para aprovar as leis necessárias e uma estabilidade político-econômica no Brasil, agregada a uma maioria nas urnas que endossou a continuidade dos programas e compromissos governamentais. Esse cenário mais favorável pode reduzir a resistência de setores militares e reacionários que se opõem à abertura dos arquivos.
Um temor que levou o presidente Lula a empurrar com o tempo a questão e deixar, agora, para a sucessora. A própria condição de ex-militante da organização Política Operária (Polop), ex-presa política e
vítima de torturas na ditadura da presidente eleita Dilma Rousseff – cujos arquivos foram liberados semana passada pelo Superior Tribunal Militar (STM) – reforça a expectativa de familiares de desaparecidos de que os arquivos secretos possam finalmente ser conhecidos. A abertura pode revelar informações que ajudem a esclarecer mortes e desaparecimentos e identificar locais onde estã sepultados desaparecidos políticos, assim como estimular agentes do Estado que participaram da repressão a abrir detalhes e locais de cemitérios clandestinos.
Em Pernambuco, um dos casos de maior repercussão é o desaparecimento do funcionário público e estudante Fernando Augusto Santa Cruz Oliveira, no Rio de Janeiro. Militante da Ação Popular Marxista-Leninista (APML), Fernando foi preso juntamente com o amigo Eduardo Collier Filho, no dia 23 de fevereiro de 1974, em Copacabana, sendo apontado como envolvido na prisão e desaparecimento o Departamento de Operações Internas do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI/RJ). Um outro episódio de grande impacto e de relação direta com Pernambuco, cujo principal personagem voltou a gerar polêmica e ser alvo de desprezo, é Cabo Anselmo, causador da maior chacina do regime militar no Estado.
Em 2004, José Anselmo dos Santos, Cabo Anselmo, requereu indenização com o argumento de que também foi perseguido pela ditadura. Delator e responsável pelo Massacre da Chácara São Bento, em Paulista (Grande Recife), em janeiro de 1973, Anselmo tem o requerimento tramitando na Comissão de Anistia do Ministério da Justiça. Seis militantes da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) foram presos,
torturados e executados, sendo a chácara utilizada para forjar um confronto. Cabo Anselmo entregou e levou à queda os seis militantes. Ex-marinheiro em 1964, Cabo Anselmo militou em organizações de esquerda como agente infiltrado e informante do regime. Anselmo pede indenização que é paga pelo governo brasileiro a pessoas reconhecidamente perseguidas pela ditadura militar. Em São Paulo, estão sendo iniciadas escavações por restos mortais de desaparecidos políticos no cemitério da Vila Formosa, a partir de novos documentos e fotografias aéreas que identificam um depósito clandestino de ossos. As buscas estão sendo conduzidas pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, vinculada à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, o Ministério Público federal, o Instituto de Criminalística da
Polícia Federal e o Instituo Médico Legal. No Brasil mais de 450 pessoas são consideradas mortas ou desaparecidas , por questões políticas, ao longo do regime militar (1964/1985).
COMISSÃO DA VERDADE
Em 2008, o governo Lula encaminhou ao Congresso um projeto de lei que estabelece novas regras e prazo para o sigilo e divulgação de documentos do Estado considerados secretos, como os de questões de guerra. O fim do sigilo para questões relativas a direitos humanos e prazos menores para questões de epidemias e relações internacionais estão entre os artigos. “É importante a aprovação desse projetos, porque disciplinam claramente a preservação e abertura de arquivos públicos”, ressalta o advogado da área de Direitos Humanos, Marcelo Santa Cruz, irmão de Fernando Santa Cruz. Dilma vai encontrar, ainda, no Congresso, o projeto do governo que cria a Comissão da Verdade, destinada a esclarecer as violações políticas de direitos humanos no Brasil, incluindo o período 1964/1985.
Aos 97 anos, Dona Elzita espera resposta do governo.
Publicado em 21.11.2010
O presidente Lula foi portador de uma carta à então candidata a presidente Dilma Rousseff, no dia 29 de outubro passado, que traduz a esperança de muitas das famílias que esperam conhecer os fatos e circunstâncias dos sequestros e mortesde parentes, durante o regime militar, e poder sepultar os restos mortais dos que permanecem como desaparecidos políticos. Dona Elzita Santa Cruz, 97 anos, mãe do militante Fernando Santa Cruz – desaparecido no Rio de Janeiro, aos 25 anos, em 23 de março de 1974 –, fez chegar a Lula a carta endereçada à petista, na qual pede a abertura dos arquivos da repressão política. A correspondência foi entregue a Lula na última carreata da campanha de Dilma Rousseff, no Recife, pela Av. Conde da Boa Vista, dois dias antes da eleição do segundo turno, para que o atual presidente a entregasse à presidente eleita. Até o momento, Dona Elzita não recebeu resposta.Na carta, a mãe de Fernando Santa Cruz declara voto na petista e revela que tem militância política desde 1945, quando votou em Luiz Carlos Prestes (PCB), participou da resistência à ditadura e defendeu a anistia ampla, geral e irrestrita. “Essa minha história de vida fez de minha pessoa representante de todas as mães, esposas, irmãs e filhas dos desaparecidos políticos”, relata. Dona Elzita Santa Cruz reconhece, no texto, que houve “considerável resgate da memória histórica”, no governo Lula, mas critica a falta de avanço na questão dos arquivos secretos da ditadura. “Eu declaro que o governo Lula deveria ter avançado muito mais na abertura dos arquivos da repressão política e na responsabilização e esclarecimentos dos mortos e desaparecidos políticos”, cobra a mãe de Fernando Santa Cruz. Mãe de dez filhos e mais antiga filiada ao Partido dos Trabalhadores (PT), dona Elzita demonstra a vontade de viver de quem espera o retorno de um filho. Aos 97 anos, quer saber onde está Fernando Santa Cruz, que é tratado ainda como se estivesse vivo. “A gente não sabe onde ele está, por isso temos que esperar a volta. Eu quero saber o que ocorreu. A gente fica fazendo mil conjecturas”, demonstra a esperança que a fortalece. Elzita acredita que Dilma atenderá ao apelo das famílias, sendo a primeira mulher presidente e tendo as condições para abrir os arquivos. “Talvez, Lula não tenha tido. Acho que ele teve vontade, mas deve ter sofrido uma grande pressão dos militares. Talvez, tenha tido medo de hostilidade ao governo”, imagina. Dona Elzita recorda que Lula prometeu a abertura, em 2008, no Palácio do Planalto, no lançamento do livro Direito à Memória e à Verdade, promovido pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência. Em nome dos familiares dos desaparecidos, ela pediu a abertura dos arquivos, destacando que “aos 95 anos não podia esperar mais tempo”. Depois, Lula a abraçou e discursou: “Desejo que viva mais de 100 anos, mas, antes disso a senhora verá os arquivos abertos”. O ato marcou, também, o envio ao Congresso Nacional de proposta de legislação – ainda em tramitação – para documentos sigilosos e de Estado.
Dona Elzita destaca que a luta dos familiares de desaparecidos não representa um sentimento de revanchismo e sim o esclarecimento dos fatos e o recebimentos dos restos dos parentes para o sepultamento pelas famílias. “A intenção não é punir. Muitos (torturadores) já morreram. Queremos é saber a verdade. O que correu é história”, pondera. A esperança renova e ampliada em Dilma Rousseff, por sua vez, baseia-se no fato de a própria presidente ter sido uma militante contra a ditadura, presa e vítima de torturas.
Um temor que levou o presidente Lula a empurrar com o tempo a questão e deixar, agora, para a sucessora. A própria condição de ex-militante da organização Política Operária (Polop), ex-presa política e
vítima de torturas na ditadura da presidente eleita Dilma Rousseff – cujos arquivos foram liberados semana passada pelo Superior Tribunal Militar (STM) – reforça a expectativa de familiares de desaparecidos de que os arquivos secretos possam finalmente ser conhecidos. A abertura pode revelar informações que ajudem a esclarecer mortes e desaparecimentos e identificar locais onde estã sepultados desaparecidos políticos, assim como estimular agentes do Estado que participaram da repressão a abrir detalhes e locais de cemitérios clandestinos.
Em Pernambuco, um dos casos de maior repercussão é o desaparecimento do funcionário público e estudante Fernando Augusto Santa Cruz Oliveira, no Rio de Janeiro. Militante da Ação Popular Marxista-Leninista (APML), Fernando foi preso juntamente com o amigo Eduardo Collier Filho, no dia 23 de fevereiro de 1974, em Copacabana, sendo apontado como envolvido na prisão e desaparecimento o Departamento de Operações Internas do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI/RJ). Um outro episódio de grande impacto e de relação direta com Pernambuco, cujo principal personagem voltou a gerar polêmica e ser alvo de desprezo, é Cabo Anselmo, causador da maior chacina do regime militar no Estado.
Em 2004, José Anselmo dos Santos, Cabo Anselmo, requereu indenização com o argumento de que também foi perseguido pela ditadura. Delator e responsável pelo Massacre da Chácara São Bento, em Paulista (Grande Recife), em janeiro de 1973, Anselmo tem o requerimento tramitando na Comissão de Anistia do Ministério da Justiça. Seis militantes da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) foram presos,
torturados e executados, sendo a chácara utilizada para forjar um confronto. Cabo Anselmo entregou e levou à queda os seis militantes. Ex-marinheiro em 1964, Cabo Anselmo militou em organizações de esquerda como agente infiltrado e informante do regime. Anselmo pede indenização que é paga pelo governo brasileiro a pessoas reconhecidamente perseguidas pela ditadura militar. Em São Paulo, estão sendo iniciadas escavações por restos mortais de desaparecidos políticos no cemitério da Vila Formosa, a partir de novos documentos e fotografias aéreas que identificam um depósito clandestino de ossos. As buscas estão sendo conduzidas pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, vinculada à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, o Ministério Público federal, o Instituto de Criminalística da
Polícia Federal e o Instituo Médico Legal. No Brasil mais de 450 pessoas são consideradas mortas ou desaparecidas , por questões políticas, ao longo do regime militar (1964/1985).
COMISSÃO DA VERDADE
Em 2008, o governo Lula encaminhou ao Congresso um projeto de lei que estabelece novas regras e prazo para o sigilo e divulgação de documentos do Estado considerados secretos, como os de questões de guerra. O fim do sigilo para questões relativas a direitos humanos e prazos menores para questões de epidemias e relações internacionais estão entre os artigos. “É importante a aprovação desse projetos, porque disciplinam claramente a preservação e abertura de arquivos públicos”, ressalta o advogado da área de Direitos Humanos, Marcelo Santa Cruz, irmão de Fernando Santa Cruz. Dilma vai encontrar, ainda, no Congresso, o projeto do governo que cria a Comissão da Verdade, destinada a esclarecer as violações políticas de direitos humanos no Brasil, incluindo o período 1964/1985.
Aos 97 anos, Dona Elzita espera resposta do governo.
Publicado em 21.11.2010
O presidente Lula foi portador de uma carta à então candidata a presidente Dilma Rousseff, no dia 29 de outubro passado, que traduz a esperança de muitas das famílias que esperam conhecer os fatos e circunstâncias dos sequestros e mortesde parentes, durante o regime militar, e poder sepultar os restos mortais dos que permanecem como desaparecidos políticos. Dona Elzita Santa Cruz, 97 anos, mãe do militante Fernando Santa Cruz – desaparecido no Rio de Janeiro, aos 25 anos, em 23 de março de 1974 –, fez chegar a Lula a carta endereçada à petista, na qual pede a abertura dos arquivos da repressão política. A correspondência foi entregue a Lula na última carreata da campanha de Dilma Rousseff, no Recife, pela Av. Conde da Boa Vista, dois dias antes da eleição do segundo turno, para que o atual presidente a entregasse à presidente eleita. Até o momento, Dona Elzita não recebeu resposta.Na carta, a mãe de Fernando Santa Cruz declara voto na petista e revela que tem militância política desde 1945, quando votou em Luiz Carlos Prestes (PCB), participou da resistência à ditadura e defendeu a anistia ampla, geral e irrestrita. “Essa minha história de vida fez de minha pessoa representante de todas as mães, esposas, irmãs e filhas dos desaparecidos políticos”, relata. Dona Elzita Santa Cruz reconhece, no texto, que houve “considerável resgate da memória histórica”, no governo Lula, mas critica a falta de avanço na questão dos arquivos secretos da ditadura. “Eu declaro que o governo Lula deveria ter avançado muito mais na abertura dos arquivos da repressão política e na responsabilização e esclarecimentos dos mortos e desaparecidos políticos”, cobra a mãe de Fernando Santa Cruz. Mãe de dez filhos e mais antiga filiada ao Partido dos Trabalhadores (PT), dona Elzita demonstra a vontade de viver de quem espera o retorno de um filho. Aos 97 anos, quer saber onde está Fernando Santa Cruz, que é tratado ainda como se estivesse vivo. “A gente não sabe onde ele está, por isso temos que esperar a volta. Eu quero saber o que ocorreu. A gente fica fazendo mil conjecturas”, demonstra a esperança que a fortalece. Elzita acredita que Dilma atenderá ao apelo das famílias, sendo a primeira mulher presidente e tendo as condições para abrir os arquivos. “Talvez, Lula não tenha tido. Acho que ele teve vontade, mas deve ter sofrido uma grande pressão dos militares. Talvez, tenha tido medo de hostilidade ao governo”, imagina. Dona Elzita recorda que Lula prometeu a abertura, em 2008, no Palácio do Planalto, no lançamento do livro Direito à Memória e à Verdade, promovido pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência. Em nome dos familiares dos desaparecidos, ela pediu a abertura dos arquivos, destacando que “aos 95 anos não podia esperar mais tempo”. Depois, Lula a abraçou e discursou: “Desejo que viva mais de 100 anos, mas, antes disso a senhora verá os arquivos abertos”. O ato marcou, também, o envio ao Congresso Nacional de proposta de legislação – ainda em tramitação – para documentos sigilosos e de Estado.
Dona Elzita destaca que a luta dos familiares de desaparecidos não representa um sentimento de revanchismo e sim o esclarecimento dos fatos e o recebimentos dos restos dos parentes para o sepultamento pelas famílias. “A intenção não é punir. Muitos (torturadores) já morreram. Queremos é saber a verdade. O que correu é história”, pondera. A esperança renova e ampliada em Dilma Rousseff, por sua vez, baseia-se no fato de a própria presidente ter sido uma militante contra a ditadura, presa e vítima de torturas.
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