domingo, 30 de junho de 2013

TRANSPORTE PÚBLICO, COISA DE POBRE?



Por Ivan Rodrigues - Advogado
Secretário Executivo de Articulação do Governo do Estado

Tenho refletido muito acerca dos movimentos que, em boa hora, tomaram conta do Brasil, para perplexidade de muitos e, sobretudo, para incomodar alguns segmentos que desfrutam dos defeitos e dos vícios da nossa sociedade para se locupletarem. Esses segmentos foram exatamente os mais surpreendidos pelo vulto dos movimentos de que não se apercebiam, na convicção de que o nosso povo permaneceria sempre apático e indiferente aos males que o afligem. Preocupava-me com a ausência de lideranças e de focos que pudessem conduzir com segurança os movimentos, porém apaziguava-me a expectativa de que a própria dinâmica do processo se encarregaria disso.

Ao que parece o desenvolvimento dos fatos confirmam a nossa expectativa. Sem recorrer a pernósticas elocubrações pseudo-científicas, cristalizam-se as lideranças e os focos começam a se depurar. Destacam-se, entretanto, alguns sentimentos e convicções acerca das desigualdades notórias da sociedade brasileira no transporte coletivo – poderão ser um dos focos convergentes dos movimentos - que a classe dirigente necessita considerar COM URGÊNCIA, sob pena de ser tragada pelos seus efeitos e deve ser motivo de sérias reflexões. Longe de mim buscar interpretações sócio-culturais-sociológicas-psicanalíticas-econômicas-políticas para o fenômeno, pois já tem gente demais buscando explicações para o inusitado processo e, sem falsa modéstia, não tenho capacidade para tanto. Tentaremos destacar, apenas, algumas dessas incompreensíveis desigualdades, sem apelo demagógico ou mesmo ideológico e sem qualquer nuance científica. Simples constatação:

1. – Nos casos de transporte individual (automóvel) há uma preocupação enorme com a segurança dos seus condutores e passageiros, tanto que a lei exige ( e é um dos poucos casos em que a fiscalização é rigorosíssima) o uso indistinto de cintos de segurança por todos os usuários. Certo? Não, errado! Por que nos transportes coletivos em que se amontoa uma centena de pessoas sentadas e em pé não existe essa exigência, pelo simples fato de que tal exigência impediria a permanência de passageiros em pé, contrariando a receita dobrada garantida pela super-lotação. Pergunta-se então: 
a) os usuários dos transportes coletivos são cidadãos de segunda classe ? 
b)Por que a segurança deles não recebe a mesma preocupação que a dos afortunados usuários de automóveis ? 
c) Porque a lei não protege, com os mesmos critérios, a integridade física de todos os usuários de transporte independentemente de suas capacidades financeiras e do veículo utilizado ? 
d) A vida do usuário de ônibus, trens e metrôs tem menor importância que a dos privilegiados usuários de automóveis ? 
e) O usuário de transporte coletivo, por ser mais carente, é penalizado duas vezes: por ser pobre e obrigado a sujeitar-se ao desconforto dos ônibus e também na desconsideração que recebe quando desvalido ou morto ? 
f) Como exigir-se de um trabalhador boa prestação de serviços, após sujeitá-lo à duas ou três horas de viagem cansativa, desconfortável, insegura, insalubre, infecta e imunda para se permitir chegar ao local de trabalho ? 
g) Porque não se cria, ao menos, um seguro prático, eficiente e sem burocracias para que o acidentado, ou sua família se for o caso, tenha uma compensação pelo sinistro ? 
h) Todo mundo está farto de saber que não existe solução para a mobilidade urbana que não seja através da 
melhoria dos transportes coletivos e porque não se faz nada, absolutamente nada, para agilizar o transporte coletivo de forma a atrair o usuário do transporte unitário e, por conseqüência, servir melhor ao sempre carente usuário do transporte coletivo ? Só porque é COISA DE POBRE ?

2. – Do mesmo modo, como se explica o tratamento dado aos pedestres que, por força de sua necessitada mobilidade, precisam atravessar as vias expressas duplicadas ou não que estão sendo construídas em toda a 
Nação. Todos os dias os meios de comunicação noticiam os atropelamentos, mortes e acidentes de todos os tipos, decorrentes da ausência de uma alternativa segura para a travessia de pedestres nestas estradas. O 
investimento na construção das estradas é altíssimo e não existe a menor consideração de custos quando se destinam à construção de rótulas, inserções, trevos, viadutos e túneis para garantir a circulação tranqüila dos veículos. Mas esse é o mesmo tratamento dedicado para assegurar a travessia de pedestres com segurança. Certo ? Não, errado! 

Por que somente depois de mortes registradas de pedestres e da notícia da população desesperada tocando fogo em pneus para impedir o trânsito dos automóveis (incômodo para os afortunados proprietários dos veículos unitários) e reclamando ingenuamente pela construção das famigeradas passarelas como única alternativa que lhes resta, procuram-se os paliativos para acalmar a população desesperada. Essas passarelas obedecem à uma lógica perversa, na medida em que exigem do pedestre um esforço exagerado para subir as intermináveis escadarias ou rampas, quando não se exige nada dos veículos que têm tração motora e poderiam ultrapassar rampas adequadas e suaves sem o menor esforço dos seus condutores, de que temos o exemplo singular na travessia de Bonança, na BR-232. Os pedestres atravessariam a rés do chão e os veículos fariam uma pequena aceleração para vencer as lombadas protetoras dos pedestres. 

Todo mundo está farto de saber que a lógica de construção das passarelas ingenuamente solicitadas pelos pedestres sofredores, além de perversa é DESUMANA na medida em que é simplesmente inacessível aos mais necessitados como os deficientes, gestantes, idosos, cadeirantes, etc. que, por falta de alternativas, são compulsoriamente obrigados a cruzar as pistas “atropelando” os veículos em trânsito. Pergunta-se, então: 
a) para garantir-se o direito de circulação dos pedestres é indispensável 
sacrificá-los com esforços que são de incapazes de executar ? 
b) é justo obrigar os mais necessitados e vulneráveis por falta de condições físicas para utilizar as famigeradas passarelas, a atravessar as pistas “atropelando” os veículos com elevado risco de morte ? 
c) será que os pedestres tidos como inválidos são cidadãos de enésima categoria e não merecem a proteção do Poder Público ? 
d) por que se exige do pedestre esforço sobre-humano para atravessar as pistas numa altura superior a cinco metros (limites de segurança dos veículos de carga!) quando, ao inverso, se exigiria dos veículos tracionados por motores apenas pouco mais de dois metros para proteger a travessia das pessoas à rés-do-chão ? 
e) por que todo projeto de implantação de estradas considera, desde logo, a construção de rótulas, anéis de retornos, trevos, viadutos, etc. para garantir a rápida movimentação dos veículos e não antecipam as pequenas lombadas que permitiriam os pedestres cruzar as estradas em segurança e sem maiores esforços ? 
f) por que as despesas são irrelevantes quando se trata de agilizar as manobras e o tráfego de veículos auto-motores e insuportáveis quando reclamam igual tratamento e simples providências bem mais baratas para facilitar a movimentação dos pedestres ? Só porque é COISA DE POBRE ?

Enfim, são inocentes perguntas a exemplo da ingenuidade de Mané Garrincha na Copa do Mundo, quando perguntou: Já combinaram com os russos ? Do mesmo modo pergunta-se: Combinaram com a imensa maioria do povo brasileiro que depende do uso dos transportes coletivos, o tratamento que lhe é dispensado tão injusto, desigual e infamante.

Para arrematar, não posso deixar em branco a inquietação do povo da minha terra - a minha querida Garanhuns – diante da insistência dos “técnicos” em jogar a duplicação da BR-432 para ultrapassar a cidade no traçado urbano atual: Será que só irão sensibilizar-se quando começarem a acontecer as primeiras mortes e aí vão querer resolver o problema com a construção das malditas Passarelas ? Com a palavra as lideranças “muchileiras” de Garanhuns.!

Um grande e afetuoso abraço de IVAN RODRIGUES

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