Um saldo de dezoito pessoas mortas foi o resultado da
tragédia que ficou conhecida como “Hecatombe de Garanhuns” , e neste domingo
(15), a chacina que vitimou políticos e comerciantes do município do Agreste de
Pernambuco completa 100 anos., o coordenador da Comissão do Memorial Centenário
da Hecatombe de Garanhuns, professor
Cláudio Gonçalves, afirma que o episódio foi uma das maiores tragédias
políticas da história local e do Estado de Pernambuco.
Em julho de 1916, quando houve eleição para prefeito de
Garanhuns, O tenente-coronel Júlio Brasileiro e José da Rocha Carvalho, disputavam a gestão municipal:, “Júlio era
deputado e Dr. Rocha era apoiado pelos antigos políticos que dominavam o município,
que eram os Jardins. Essa eleição foi bastante viollenta, com ameaças de surra
de cipó de boi, listas negras ameaçando os adversários políticos, cruzes negras
nas portas destes adversários”, detalha o professor.
O episódio de Hecatombe ficou marcado pela série de
assassinatos, que teriam sido motivados pelo resultado da eleição de 7 de
janeiro de 1917. Durante a campanha política, surgiu a figura do capitão Sales
Vila Nova, que apoiava Rocha Carvalho. Como opositor político, o capitão matou
a tiros o então prefeito eleito, Júlio Brasileiro – que não chegou a tomar
posse, pois foi assassinado no dia 14 de janeiro daquele ano, no Recife.
As outras pessoas – aliadas de Rocha Carvalho – foram
assassinadas dentro da Cadeia Pública de Garanhuns, após os correligionários de
Júlio armarem uma emboscada para vingar a morte do prefeito eleito. Os
documentos mostram que cerca de 18 pessoas foram mortas na unidade prisional.
Motivação da morte de Julio
De acordo com o coordenador da Comissão do Memorial da
Hecatombe, o capitão Sales Vila Nova descobriu que Júlio não poderia ser
candidato à Prefeitura de Garanhuns, já que ele era deputado e não havia
terminado o mandato.
“Tudo isso levou o governo do estado, por meio do governador
Manuel Borba, a anular a eleição. Ele era aliado de Júlio e marcou uma nova
eleição para 7 de janeiro de 1917. A oposição não participou desse processo
eleitoral, já que Dr. Rocha renuncia, assim como o vice, Dr. Borba Júnior“,
explica Cláudio Gonçalves.
O professor, também contou que
antes de ocorrer essa eleição, durante o período de campanha, Júlio Brasileiro
se encontrou com o capitão Sales Vila Nova no Centro de Garanhuns, onde havia a
feira. Na ocasião, o tenente-coronel candidato à prefeitura ameaçou agredir
Sales com cipó de boi. Este revidou a ameaça, dizendo que se fosse agredido,
mataria Júlio.
“O irmão de Júlio não aceitou que a morte dele [Júlio
Brasileiro] tinha sido vingança de Sales, mas achou que foi a mando dos Jardins
[e dos seguidores de Rocha Carvalho], que queriam tomar a chefia política de
Garanhuns”, disse o coordenador da Comissão do Memorial Centenário da
Hecatombe.
Segundo Cláudio Gonçalves, “tomada pelo ódio, a viúva de
Júlio disse: ‘Não derramarei nenhuma lágrima, se as outras não derramarem. E só
vestirei luto depois que as outras vestirem’. A partir disso, foi iniciada uma
trama para vingar a morte do tenente-coronel”.
‘Hecatombe de Garanhuns’
Os familiares de Júlio Brasileiro decidiram vingar a morte
dele. O sobrinho da vítima, Álvaro Viana, mandou um telegrama para o irmão,
Alfredo Viana, convocando ele e outros homens para irem até Garanhuns.
Com a chegada de Alfredo no município do Agreste
pernambucano, cerca de 100 homens fortemente armados se reuniram na cidade.
Eles começaram a invadir as casas dos adversários de Júlio Brasileiro.
“Invadiram a casa de Borba Júnior, que era candidato a vice-prefeito de Rocha
Carvalho. O delegado Meira Lima chegou a tempo e impediu a morte de Borba,
dizendo que ele deveria ir para a cadeia pública”, contou Cláudio.
A trama da vingança do assassinato de Júlio
reuniu familiares, o juiz Abreu e Lima e o delegado Meira Lima. A ideia era
levar todos os adversários do prefeito morto para a cadeia. Eles foram
convencidos de ir até o local para se proteger, conforme destacou o professor
Cláudio Gonçalves.
Vários grupos cercaram o local e começaram a atirar.
“Argemiro Miranda [um dos correligionários de Rocha Carvalho] conseguiu uma
arma, enviada pela esposa de Francisco Veloso [outro opositor de Júlio], e
revidou os tiros. Ele tentou escapar, mas morreu na porta da cadeia, que estava
cercada”, destaca Cláudio.
Na ocasião, morreram 18 pessoas. Entre elas, sete políticos e
um jovem que havia ido visitar o tio na cadeia. O nome “Hecatombe de Garanhuns”
surgiu porque uma senhora – após perceber que haveria uma chacina – enviou um
telegrama para o comandante da polícia, no Recife, com a frase “Enviar forças
urgente, haverá uma hecatombe”.
Hecatombe que é um termo grego que significa sacrifício de
100 bois ou massacre de um grande número de pessoas. “Os jornais locais
começavam a falar do ‘sucesso de Garanhuns’, que era [o mesmo que] chacina.
Mas, após o telegrama [do pedido de ajuda] ser publicado, começaram a chamar e
episódio de hecatombe”, explica o professor.
Julgamento da chacina e novo prefeito
O julgamento da Hecatombe de Garanhuns teve início no dia 27
de setembro de 1918. A última sessão para a sentença ocorreu em 19 de novembro
de 1918. O capitão Eutíquio da Silva Brasileiro – irmão de Júlio – foi
condenado a 30 anos de prisão; Álvaro Brasileiro Viana – primo do prefeito
assassinado – foi absolvido unanimemente; Alfredo Brasileiro Viana – também
primo de Júlio, foi condenado a 30 anos de prisão; o delegado Meira Lima foi
condenado a perder o emprego.
Quem assumiu a prefeitura de Garanhuns naquele ano foi
Joaquim Alves Barreto Coelho, que era Presidente do Conselheiro Municipal. O
vice de Júlio Brasileiro, o capitão Thomaz Maia, não assumiu porque foi preso
acusado de fornecer querosene para incendiar as casas comerciais das vítimas
após a Hecatombe.
Livro sobre testemunha da tragédia
O maestro francês Fernand Jouteux se mudou para o Brasil em
busca de inspiração, como afirma o escritor Ígor Cardoso, autor do livro
“Fernand Jouteux – O maestro de chapéu de couro”. O músico morou durante 35
anos em Garanhuns e se baseou no livro “Os Sertões”, de Euclides da Cunha, para
escrever uma das suas maiores obras.
“A grande obra da vida dele foi uma ópera chamada “O Sertão”,
composta na fazenda “Belle Alliance” e inspirada na nossa cultura, em Canudos e
em Antônio Conselheiro. Acabou se radicando na cidade por ser perto do Sertão”,
conta Ígor.
Fernand era um grande amigo do cônego Benigno Lira, um dos
personagens centrais da hecatombe. Lira era erudito, poeta e gostava de música
clássica e também chegou a colocar letra em uma de suas partituras. Além de vir
de uma importante família de Alagoas e Pernambuco, dona de usineiras.
“Ele [Lira] tem participação em todos os eventos. Apoiou a
estratégia da viúva e ao mesmo tempo convenceu os políticos a se recolherem na
cadeia”, revela.
O maestro tentou ser fazendeiro, mas logo depois do desastre
da hecatombe, o pai dele morreu na França, e ele voltou ao país de origem.
Também não conseguiu o apoio que queria para montar a ópera.
“Ele chega a compor uma valsa, a ‘Bela Aliança’, onde cita
nominalmente as amarguras que tem passado e fala sobre a hecatombe, o grande
motivo de ter desistido de ser fazendeiro e de viver em Garanhuns. Fernand
volta para a França, passa um tempo e não fica feliz. Retorna para o Brasil,
vai morar novamente em Garanhuns e encontra um cenário diferente”, completa o
escritor.
O livro “Fernand Jouteux – O maestro de chapéu de couro” foi
lançado no dia 25 de julho de 2015, no Instituto Histórico Geográfico e
Cultural de Garanhuns (IHGCG), durante o Festival de Inverno.
Uma série de eventos foram formatados, pelo IHGCG e
Caminhantes do Parque Euclides Dourado, sob a direção do empresário guerreiro, Walter Santanna, para registrar a data, não como
violência socializada, mas sim como um outro tempo a ser vivido sem ódio e rancor.
Um alegre grupo saiu do Parque em direção ao local onde ocorreu
a tragédia, há cem anos passados, que hoje dá lugar a COMPESA- Companhia de
Saneamento de Pernambuco.
O grupo foi recebido pela Orquestra Municipal que tocou um
louvor “ Segura na Mão de Deus”, seguido do Hino de Garanhuns que traz letra e
Música do Poeta João Marques.
Para recepcionar familiares das vitimas, autoridades e
representantes de várias Instituições e o povo em geral, Dra Ivonete Xavier,
Professor Claudio Gonçalves, gerente da COMPESA e o Prefeito em Exercício,
Haroldo Vicente, ministraram palavras de sabedoria onde a paz e o perdão
estavam em evidencia.
Após a inauguração da placa alusiva à data e entrega de comenda às autoridades empenhadas em preservação de nossa história, duas mudas de árvores
foram plantadas; Uma registrando o sangrento fato, outra com representação à
vida, ao perdão e recomeço.
A jornalista Selma Mello foi convidada a plantar a muda da
árvore que simboliza a vida, exatamente quando registramos cinco meses da morte
de seu filho primogênito, Thyago Phyllip. Emocionada, agradeceu o convite a
Walter Santanna pelo gesto tão significativo para ela, enquanto emocionou os
presentes:
“Há cinco meses atrás eu enterrava meu amado filho...Hoje eu
planto uma muda que, regada e cultivada, florescerá...Trará sombra, paz e vida... Vida com abundância...”
Após o ato, um delicioso café da manhã foi servido aos
presentes, antes da celebração de um culto evangélico, realizado na Igreja
Presbiteriana.
A noite, e dando fim ao registro histórico, uma Missa será
celebrada na Igreja de Santo Antonio, centro da cidade.
com informações (G1 Caruaru e Região)