sexta-feira, 29 de junho de 2018

CARTA DE APOIO À APRESENTAÇÃO DO ESPETÁCULO "O EVANGELHO SEGUNDO JESUS RAINHA DO CÉU" NOTA DE REPÚDIO E PETIÇÕES CIRCULAM PELA INTERNET AUMENTANDO A POLÊMICA,


     


           Na manhã de hoje (29/6), em entrevista a uma rádio local, o prefeito de Garanhuns, Izaías Régis, afirmou que não vai ceder o Centro Cultural da cidade para a apresentação do espetáculo O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu (onde Jesus é interpretada pela atriz travesti Renata Carvalho) inserido na programação oficial do Festival de Inverno de Garanhuns (FIG). Alegando que Garanhuns é uma cidade cristã, pediu o apoio das igrejas para impedir a exibição da peça.

       Primeiramente, é necessário dizer que cidade nenhuma do nosso país tem religião oficial. O Brasil, na totalidade do seu território, é laico – o que significa dizer que as pessoas, ainda bem, têm liberdade para terem a religião que quiserem (inclusive a cristã, ou nenhuma).

Segundo e talvez mais importante: para quem assistiu a peça, como eu (ela veio para o Recife no começo deste mês, inserida na programação do TREMA Plataforma de Teatro, com exibição no teatro Apolo lotada) fica evidente que o sentido do espetáculo não é diminuir, ofender ou atacar a fé de quem quer que seja - Renata é travesti e, por isso, logicamente ela jamais enxergaria que interpretar alguém, com seu corpo, representaria demérito.

Quem entende uma Jesus travesti como ofensa, atesta seu próprio preconceito de achar que existe algo de superior na sua existência diante das outras. (Travesti é vida, potência, não xingamento, só pra lembrar  :*). Como é bom nomear as coisas, isso se chama transfobia.

Que pena. até porque não há nada menos cristão do que não amar o próximo como a si mesmo.

O avanço do conservadorismo é assustador e tem servido bem aos gestores para que, de maneira demagógica, desvirtuem o debate político. Como todas sabem, ou deveriam saber, o mal do país, não são os artistas e suas peças, por mais insubordinadas que sejam. O mal do país é a desigualdade, o racismo, o machismo, a homofobia e, obviamente, a transfobia, que faz do Brasil, o país que mais mata pessoas trans no mundo. O mal do país são gestores oportunistas que tentam fazer de situações como essa, trampolins para angariar votos e fieis.

       Ao contrário de atentar contra a fé, Renata vem nos lembrar, de maneira crítica e poética, como é próprio do teatro, de que, se tem algum corpo que é injustamente perseguido e crucificado nos dias atuais, esse é o corpo trans. Eis o brilhantismo da peça em sua analogia absolutamente pertinente. E a própria censura atesta a perseguição. Vale lembrar que, até pouco tempo, as interpretações de Cristos não europeizadas eram polêmicas, e pasmem, Jesus veio num corpo negro.

        Em nome da Igreja muitas vidas foram perseguidas, assassinadas (lembram das fogueiras?). Em nome da religião muitos já se perpetuaram no poder – desde os reis absolutistas e seu direito divino de governar, até os fundamentalistas espalhados do oriente ao ocidente de hoje. E é essa mesma falsa fé que vem transformando o nosso parlamento (e algumas prefeituras) em um antro de conservadorismo que se auto-alimenta no poder às custas da diminuição de qualquer forma de vida contra-hegemônica que ameace a perpetuação de seus privilégios.

        É com esse suposto amor cristão que integrantes de religiões expulsam seus filhos e filhas de casa, violentam e matam. Como bem disse Renata Carvalho, atriz que encena o monólogo, em entrevista publicada recentemente na Revista Continente: "Os que querem me matar, estão em nome de Deus”.

          Mas, vai passar. Se eu tenho fé (e força), é de que isso vai passar. E nós (eu, você, Renata), vamos lembrar da importância desse espetáculo que escancara que, sim, se Jesus viesse ao mundo hoje, ele viria num corpo travesti. E ficaria do lado delas e de todos os corpos invisibilizados e periféricos - bichas, pretas, índias e putas, de novo.

          E mais. Se Jesus voltasse, Cristo ou não, ela voltaria a ser perseguida, torturada, crucificada. E censurada.

        Já está circulando nas redes um abaixo-assinado, cujo link, colo abaixo Assinem e compartilhem.

         O Festival de Inverno de Garanhuns é uma festa linda, laica e libertária e assim precisa continuar sendo. A peça, necessária, deve ser encenada, sim. E digo mais: tem que ser no Centro Cultural da cidade. Não dá pra tolerar transfobia institucionalizada. A encenação em outro espaço representa concessão ao preconceito e, contra ele, não podemos dar nenhum passo atrás.

Evoé!


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