Na manhã de hoje (29/6), em entrevista a uma rádio local, o prefeito
de Garanhuns, Izaías Régis,
afirmou que não vai ceder o Centro Cultural da cidade para a apresentação do
espetáculo O Evangelho
Segundo Jesus, Rainha do Céu (onde Jesus é interpretada pela atriz
travesti Renata
Carvalho) inserido na programação oficial do Festival de Inverno
de Garanhuns (FIG). Alegando que Garanhuns é uma cidade cristã, pediu o
apoio das igrejas para impedir a exibição da peça.
Primeiramente, é necessário dizer que cidade nenhuma do nosso
país tem religião oficial. O Brasil, na totalidade do seu território, é laico –
o que significa dizer que as pessoas, ainda bem, têm liberdade para terem a
religião que quiserem (inclusive a cristã, ou nenhuma).
Segundo e talvez mais importante:
para quem assistiu a peça, como eu (ela veio para o Recife no começo deste mês,
inserida na programação do TREMA Plataforma
de Teatro, com exibição no teatro Apolo lotada) fica evidente que o sentido
do espetáculo não é diminuir, ofender ou atacar a fé de quem quer que seja -
Renata é travesti e, por isso, logicamente ela jamais enxergaria que
interpretar alguém, com seu corpo, representaria demérito.
Quem entende uma Jesus travesti como
ofensa, atesta seu próprio preconceito de achar que existe algo de superior na
sua existência diante das outras. (Travesti é vida, potência, não xingamento,
só pra lembrar
:*). Como é
bom nomear as coisas, isso se chama transfobia.
Que pena. até porque não há nada
menos cristão do que não amar o próximo como a si mesmo.
O avanço do conservadorismo é
assustador e tem servido bem aos gestores para que, de maneira demagógica,
desvirtuem o debate político. Como todas sabem, ou deveriam saber, o mal do
país, não são os artistas e suas peças, por mais insubordinadas que sejam. O
mal do país é a desigualdade, o racismo, o machismo, a homofobia e, obviamente,
a transfobia, que faz do Brasil, o país que mais mata pessoas trans no mundo. O
mal do país são gestores oportunistas que tentam fazer de situações como essa,
trampolins para angariar votos e fieis.
Ao contrário de atentar contra a fé, Renata vem nos lembrar,
de maneira crítica e poética, como é próprio do teatro, de que, se tem algum
corpo que é injustamente perseguido e crucificado nos dias atuais, esse é o
corpo trans. Eis o brilhantismo da peça em sua analogia absolutamente
pertinente. E a própria censura atesta a perseguição. Vale lembrar que, até
pouco tempo, as interpretações de Cristos não europeizadas eram polêmicas, e
pasmem, Jesus veio num corpo negro.
Em nome da Igreja muitas vidas foram perseguidas,
assassinadas (lembram das fogueiras?). Em nome da religião muitos já se
perpetuaram no poder – desde os reis absolutistas e seu direito divino de
governar, até os fundamentalistas espalhados do oriente ao ocidente de hoje. E
é essa mesma falsa fé que vem transformando o nosso parlamento (e algumas
prefeituras) em um antro de conservadorismo que se auto-alimenta no poder às
custas da diminuição de qualquer forma de vida contra-hegemônica que ameace a
perpetuação de seus privilégios.
É com esse suposto amor cristão que integrantes de religiões
expulsam seus filhos e filhas de casa, violentam e matam. Como bem disse Renata
Carvalho, atriz que encena o monólogo, em entrevista publicada recentemente
na Revista
Continente: "Os que querem me matar, estão em nome de Deus”.
Mas, vai passar. Se eu tenho fé (e força), é de que isso vai
passar. E nós (eu, você, Renata), vamos lembrar da importância desse espetáculo
que escancara que, sim, se Jesus viesse ao mundo hoje, ele viria num corpo
travesti. E ficaria do lado delas e de todos os corpos invisibilizados e
periféricos - bichas, pretas, índias e putas, de novo.
E mais. Se Jesus voltasse, Cristo ou não, ela voltaria a ser
perseguida, torturada, crucificada. E censurada.
Já está circulando nas redes um abaixo-assinado, cujo link,
colo abaixo Assinem e compartilhem.
O Festival de Inverno de Garanhuns é uma festa linda, laica e
libertária e assim precisa continuar sendo. A peça, necessária, deve ser
encenada, sim. E digo mais: tem que ser no Centro Cultural da cidade. Não dá
pra tolerar transfobia institucionalizada. A encenação em outro espaço
representa concessão ao preconceito e, contra ele, não podemos dar nenhum passo
atrás.
Evoé!
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