O Desembargador Silvio Neves Baptista
Filho, Relator Substituto da 1ª Câmara Regional de Caruaru – 2ª Turma, decidiu
acatar o recurso impetrado pelo Ministério Público de Pernambuco, através
da 2ª Promotoria de Justiça de Defesa da Cidadania, e determinou que
a peça teatral “O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu” deverá ser incluída
na grade oficial de programação do 28º Festival de Inverno de Garanhuns, por
parte do Governo do Estado. A decisão do Desembargador foi oficializada no
inicio da noite de hoje, dia 24.
“Convencido da ilegalidade da decisão
administrativa, defiro o Pedido de Antecipação dos Efeitos da Tutela Recursal,
determinando ao Estado de Pernambuco que reinclua, em até 24 horas, na grade de
programação do FIG/2018 - “Um viva à liberdade!” – a peça teatral “O Evangelho
Segundo Jesus, Rainha do Céu” regularmente selecionada, que estava prevista
para o dia 26/07/2018, para um público adulto, às 23h, garantindo ainda toda a
segurança necessária a consecução do evento, bem como que o Município de
Garanhuns se abstenha de embaraçar o cumprimento da presente tutela”, publicou
o Relator Substituto da 1ª Câmara Regional de Caruaru – 2ª Turma, em trecho de
sua decisão. O Desembargador Silvio Neves Baptista Filho ainda fixou uma multa
no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) pelo descumprimento da decisão.
Inicialmente anunciada para acontecer
nessa quinta-feira, dia 26, a peça"O Evangelho segundo Jesus, Rainha do
Céu", cuja atriz transexual Renata Carvalho é a estrela principal, faz uma
releitura de Jesus como se ele vivesse nos dias atuais como uma travesti,
partindo da ideia de que Cristo viveria entre os marginalizados. O Espetáculo
foi retirado da programação do 28º FIG, pelo Governo do Estado, após a posição
contrária do Prefeito Izaías Régis; reforçada por vários membros da
sociedade local, através das redes sociais, e de Instituições Religiosas,
inclusive a Igreja Católica, que se pronunciou através de nota assinada pelo
Bispo Diocesano Dom Paulo Jackson.
Aqui na integra
1ª CÂMARA REGIONAL DE CARUARU – 2ª TURMA AGRAVO DE
INSTRUMENTO - PJE - Nº 0008547-20.2018.8.17.9000 COMARCA: Garanhuns/PE – Vara
da Fazenda Pública AGRAVANTE: Ministério Público do Estado de Pernambuco
AGRAVADOS: Estado de Pernambuco e o Município de Garanhuns
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA Trata-se de Agravo de Instrumento
interposto pelo Ministério Público do Estado de Pernambuco contra a decisão
interlocutória proferida pelo Juízo da Vara da Fazenda Pública de Garanhuns,
que indeferiu o pedido de tutela provisória de urgência, formulado nos autos da
Ação Civil Pública nº 0003751-54.2018.8.17.2640. Na inicial, o autor requereu
que fosse determinado ao Estado de Pernambuco que reincluísse, em 24 horas, na
grade de programação do FIG/2018 - “Um viva à liberdade!” - a apresentação da
peça teatral O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu, prevista para o dia
26/7, voltada para um público adulto, às 23h, conforme informaram a Secretaria
Estadual de Cultura, e a Fundarpe, determinando-se também ao Estado e ao
Município que diligenciem para estimular o diálogo entre os produtores da peça
e os demais parceiros e a população em geral, desfazendo mal-entendidos e
preconceitos, e garantindo a segurança necessária à referida apresentação.
Insatisfeito com a decisão, o Ministério Público do Estado de Pernambuco
interpôs o presente agravo de instrumento, pugnando pela revogação da decisão
vergastada, sob o fundamento de que: a) o Poder Público teria extrapolado os
limites da discricionariedade administrativa; b) o julgador utilizou-se de conceito
jurídico indeterminado (sentimento religioso) para justificar o indeferimento
da tutela colimada, sem explicar, contudo, o motivo concreto de sua incidência
no caso; c) a necessidade de ponderação dos princípios do sentimento religioso,
da liberdade de expressão e da discricionariedade administrativa. Eis,
suscintamente, o relatório. DECIDO. Agravo regular e tempestivo, cabível em
face de decisão atacada[1], encontrando-se presentes os demais requisitos de
admissibilidade. Nos termos do artigo 1.019 do Código Processual Civil, pode o
Relator atribuir efeito suspensivo ao recurso ou deferir, em antecipação de
tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal.
A antecipação de tutela recursal, por ser medida excepcional,
pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: possibilidade de lesão
grave de difícil ou incerta reparação e probabilidade de provimento do recurso.
Inicialmente, destaco que, para a concessão da tutela de urgência há a
necessidade da existência dos elementos que evidenciem a probabilidade do
direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo (CPC, art.
300). A análise perfunctória, ínsita a esta fase processual, permite-me
concluir que existem nos autos elementos aptos a demonstrar a probabilidade do
direito do ora agravante. Da questão de fundo constitucional O princípio da
liberdade de expressão, previsto no art. 5º, incisos IV e IX, da Constituição
Federal, consiste, segundo Celso BASTOS, no “direito de exprimir e divulgar
livremente o seu pensamento. É o direito de não ser impedido de exprimir-se. Ao
titular da liberdade de expressão é conferido o poder de agir, pelo qual
contará com a abstenção ou com a não interferência de quem quer que seja no
exercício de seu direito.”[2] O festejado doutrinador Marcelo Novelino acerca
do âmbito de proteção do aludido princípio destaca que: “O homem não se
contenta apenas em ter suas próprias opiniões. Ele quer expressá-las e, não
raro, convencer os outros de suas ideias. As convicções íntimas podem existir
independentemente do Direito, mas a liberdade para exteriorizar suas ideias e
opiniões pessoais necessita de proteção jurídica. A liberdade de manifestação
do pensamento impede que o Poder Público estabeleça punições para os que
rejeitam opiniões amplamente aceitas ou censure discursos não aprovados pelo
governo.”[3] Infere-se, portanto, que toda forma de expressão do pensamento,
desde que compatível com o texto constitucional, decorre do princípio da
liberdade de manifestação, não cabendo ao Poder Público promover censura prévia
no exercício de tal liberdade pública, sob pena de esvaziar o próprio Estado
Democrático de Direito. Nesse sentido, calha destacar decisão do Pretório
Excelso sobre a conhecida “Marcha da Maconha”, na qual restou consignada a
relevância do princípio da livre manifestação do pensamento e seus correlatos:
"Marcha da Maconha". Manifestação legítima, por cidadãos da
República, de duas liberdades individuais revestidas de caráter fundamental: o
direito de reunião (liberdade-meio) e o direito à livre expressão do pensamento
(liberdade-fim). (...) Vinculação de caráter instrumental entre a liberdade de
reunião e a liberdade de manifestação do pensamento. (...) A liberdade de
expressão como um dos mais preciosos privilégios dos cidadãos em uma república
fundada em bases democráticas. O direito à livre manifestação do pensamento:
núcleo de que se irradiam os direitos de crítica, de protesto, de discordância
e de livre circulação de ideias. Abolição penal (abolitio criminis) de
determinadas condutas puníveis. Debate que não se confunde com incitação à
prática de delito nem se identifica com apologia de fato criminoso. Discussão
que deve ser realizada de forma racional, com respeito entre interlocutores e
sem possibilidade legítima de repressão estatal, ainda que as ideias propostas
possam ser consideradas, pela maioria, estranhas, insuportáveis, extravagantes,
audaciosas ou inaceitáveis. O sentido de alteridade do direito à livre
expressão e o respeito às ideias que conflitem com o pensamento e os valores
dominantes no meio social. Caráter não absoluto de referida liberdade
fundamental (CF, art. 5º, IV, V e X; Convenção Americana de Direitos Humanos,
art. 13, § 5º). A proteção constitucional à liberdade de pensamento como
salvaguarda não apenas das ideias e propostas prevalecentes no âmbito social,
mas, sobretudo, como amparo eficiente às posições que divergem, ainda que
radicalmente, das concepções predominantes em dado momento histórico-cultural,
no âmbito das formações sociais. O princípio majoritário, que desempenha
importante papel no processo decisório, não pode legitimar a supressão, a
frustração ou a aniquilação de direitos fundamentais, como o livre exercício do
direito de reunião e a prática legítima da liberdade de expressão, sob pena de
comprometimento da concepção material de democracia constitucional. A função
contramajoritária da jurisdição constitucional no Estado Democrático de
Direito. Inadmissibilidade da "proibição estatal do dissenso".
Necessário respeito ao discurso antagônico no contexto da sociedade civil
compreendida como espaço privilegiado que deve valorizar o conceito de
"livre mercado de ideias". O sentido da existência do free
marketplace of ideas como elemento fundamental e inerente ao regime democrático
(AC 2.695 MC/RS, rel. min. Celso de Mello). A importância do conteúdo
argumentativo do discurso fundado em convicções divergentes. A livre circulação
de ideias como signo identificador das sociedades abertas, cuja natureza não se
revela compatível com a repressão ao dissenso e que estimula a construção de
espaços de liberdade em obséquio ao sentido democrático que anima as
instituições da República. As plurissignificações do art. 287 do CP:
necessidade de interpretar esse preceito legal em harmonia com as liberdades
fundamentais de reunião, de expressão e de petição. Legitimidade da utilização
da técnica da interpretação conforme à Constituição nos casos em que o ato
estatal tenha conteúdo polissêmico. [ADPF 187, rel. min. Celso de Mello, j.
15-6-2011, P, DJE de 29-5-2014.] Vide ADI 4.274, rel. min. Ayres Britto, j.
23-11-2011, P, DJE de 2-5-2012 Consoante se vê dos autos, a peça teatral,
previamente escolhida através de seleção pública, foi descartada do Festival de
Inverno de Garanhuns (FIG 2018), sob o pretexto de atender manifestações cívicas
contrárias à execução do espetáculo. Ora, se é certo que a peça decorre do gozo
de liberdade de expressão artística (art. 5º, IX, da CF), afigura-se proibido
ao Poder Público promover ainda que indiretamente uma censura prévia ao
espetáculo, para atender um suposto sentimento religioso da sociedade local,
porquanto vedada toda e qualquer forma de censura de natureza política,
ideológica e artística (art. 220, § 2º da CF). Nesse sentido também já se
pronunciou a jurisprudê das ideias e opiniões, assim como das notícias e
informações, mas sem deixar de prescrever o direito de resposta e todo um
regime de responsabilidades civis, penais e administrativas. Direito de
resposta e responsabilidades que, mesmo atuando a posteriori, infletem sobre as
causas para inibir abusos no desfrute da plenitude de liberdade de imprensa.
(...) Incompatibilidade material insuperável entre a Lei 5.250/1967 e a
Constituição de 1988. Impossibilidade de conciliação que, sobre ser do tipo
material ou de substância (vertical), contamina toda a Lei de Imprensa: a)
quanto ao seu entrelace de comandos, a serviço da prestidigitadora lógica de
que para cada regra geral afirmativa da liberdade é aberto um leque de exceções
que praticamente tudo desfaz; b) quanto ao seu inescondível efeito prático de
ir além de um simples projeto de governo para alcançar a realização de um
projeto de poder, este a se eternizar no tempo e a sufocar todo pensamento
crítico no País. [ADPF 130, rel. min. Ayres Britto, j. 30-4-2009, P, DJE de
6-11-2009.] Vide ADI 4.451 MC-REF, rel. min. Ayres Britto, j. 2-9-2010, P, DJE
de 24-8-2012 Vide Rcl 22.328, rel. min. Roberto Barroso, j. 6-3-2018, 1ªT,
Informativo 893 Saliente-se que a peça que ora se pretende a exibição já foi
objeto de prévias restrições que acarretaram na atuação do Judiciário: DECISÃO
ULTRA PETITA - Nulidade de decisão - Rejeição - Interpretação do pedido que
deve levar em conta o conjunto da postulação - Agravada que requereu no final
de sua peça inicial a concessão de liminar a fim de que a ré se abstenha de
apresentar a peça “O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu” sem especificar
data - Preliminar rejeitada. OBRIGAÇÃO DE FAZER - Deferimento da tutela
provisória com o objetivo de obstar a apresentação da peça “O Evangelho Segundo
Jesus, Rainha do Céu” - Inconformismo do réu - Acolhimento - Proibição da
exibição da peça que viola a atividade artística prevista no art. 5º, inc. IX,
da Carta Magna - Peça que tem caráter ficcional e objetiva fomentar o debate
sobre os transgêneros sem ultrajar a Fé Cristã - Decisão reformada - Recurso
provido. (TJSP – Agravo de Instrumento nº 2180296-90.2017.8.26.0000. Relator:
Des. J. L. Mônaco da Silva, julgado em 19/02/2018). DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
Processo nº: 0566408-05.2017.8.05.0001 Classe Assunto: Procedimento Comum -
Direito de Imagem Autor: Alexandre Santa Rosa Oliveira e outros Réu: FUNDACAO
GREGORIO DE MATOS Vistos etc. (...)
As partes autoras suscitaram na peça vestibular, em síntese,
que o réu pôs em cartaz para as datas de 26.10.2017 e 27.10.2017, ambos com
início as 20:00, a apresentação de uma peça teatral cujo tema é: "O
Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu"; que a peça referia-se a um
monólogo em que Jesus Cristo (filho de Deus bíblico), estaria vivendo em dias
atuais e que ele seria uma mulher transgênero; que a peça revelou ainda, que
eram histórias bíblicas conhecidas, mas que foram recontadas em uma perspectiva
"contemporânea”, propondo uma reflexão sobre a intolerância sofrida por
transgêneros e minorias em geral; que a questão da identidade travesti era
elemento chave do espetáculo; esclareceu que a peça era atentatória a dignidade
à fé cristã/católica e todos aqueles que acreditaram e respeitaram Jesus como
filho do Deus criador do universo, sem que olvidasse ainda o personagem
histórico que ele representou e sua filosofia de vida em suas palavras;
salientou ainda que tal peça teatral era extremamente ofensiva a moral da
humanidade que era em sua grande maioria crente no homem JESUS como filho de
Deus e grande personagem histórico do mundo, tal qual foi, BUDA, MAOMÉ, GANDHY,
e outros grandes expoentes da história que deixaram legado para a humanidade;
que a divulgação do evento informava que se o Cristo estivesse presente em
nosso meio nos dias hodiernos ele seria um transgênero; que expôs ao ridículo
os símbolos nacionalmente encontrados, como a cruz e o próprio homem; que a
peça incitou crime de ódio e feriu a liberdade e a dignidade humana; que o
artigo 5.º da Constituição Federal previu o direito à liberdade religiosa,
somado ao artigo 208 do Código Penal que definiu os parâmetros de liberdade no
tratamento desse tema; que configuração do crime era previsto no art. 20, § 2º,
da Lei N.º 7.716/89 (Lei Caó), que pressupôs violação aos limites impostos à
liberdade de manifestação religiosa e à liberdade de expressão; que a parte
acionada violou o art..208 DO CP; as partes acionantes ponderaram no sentido do
dever do Estado tutelar por ordem constitucional expressa no art. 5.º, inciso
VI, da Constituição Federal, a qual dispõe que “é inviolável a liberdade de
consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos
religioso se garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as
suas liturgias”; que presentes estavam os requisitos para a concessão da tutela
provisória de urgência antecipada; e as partes autoras solicitaram que a parte
ré se abstivesse de promover a realização do evento nos dias 26 de outubro de
2017 e 27 de outubro de 2017. Decido. (...) Ao fazermos um juízo de valor
cauteloso, prudente e provisório em relação aos documentos de fls.23/24, na
qual especificou os dias da apresentação da peça, chega-se a ilação de que,
provavelmente, as partes suplicantes se encontram em situação de prejuízo nos
seus interesses jurídicos. O princípio da laicidade comporta o respeito de toda
confissão religiosa por parte do Estado. Laicidade, corretamente entendida,
significa que o Estado deve proteger amplamente a liberdade religiosa tanto em
sua dimensão pessoal como social, e não impor, por meio de leis e decretos,
nenhuma verdade especificamente religiosa ou filosófica, mas elaborar as leis
com base nas verdades morais naturais. O fundamento do direito à liberdade
religiosa se encontra na própria dignidade da pessoa humana. Um Estado não deve
tenta impedir a vivência religiosa do povo, especialmente o Cristianismo, com
uma ação hostil ao fenômeno religioso e a tentativa de encerrá-lo unicamente na
esfera privada. Ao que parece a parte acionada desrespeitou o princípio
constitucional no art. 5.º, inciso VI, da Constituição Federal a qual dispõe
que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o
livre exercício dos cultos religioso se garantida, na forma da lei, a proteção
aos locais de culto e as suas liturgias” . Compreendo que não se pode tentar,
assim, eliminar os símbolos/crenças religiosos mais tradicionais do povo, com
narrativas debochadas e fantasiosas, como que lhe arrancando as raízes. (...)
Salvador-BA, 27 de outubro de 2017. PAULO ALBIANI ALVES - JUIZ DE DIREITO - Da
aplicação dos tratados internacionais à matéria A liberdade de expressão é tema
cuja análise não pode ser dissociada dos elementos normativos internacionais
dos quais a República Federativa do Brasil é adotante, como a Declaração
Universal dos direitos Humanos de 1948 (art. 19), o Pacto Internacional de
Direitos Civis e Políticos (art. 19) e a Convenção Americana Sobre Direitos
Humanos (art. 13). Consta deste último diploma internacional, denominado também
de Pacto de San José da Costa Rica, no art. 13, o seguinte dispositivo: “I.
Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito
compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e idéias de
toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou
em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha.
II. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito
a censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser
expressamente fixadas pela lei e ser necessárias para assegurar: a) o respeito
aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou b) a proteção da segurança
nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas. III. Não se pode
restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso
de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequências
radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação,
nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação
de idéias e opiniões. IV. A lei pode submeter os espetáculos públicos a censura
prévia, com o objetivo exclusivo de regular o acesso a eles, para proteção
moral da infância e da adolescência, sem prejuízo do disposto no inciso 2. V. A
lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao
ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação à discriminação, à
hostilidade, ao crime ou à violência.” Destaque-se que, conquanto sejam
admitidas limitações à referida liberdade individual – por meio da técnica da
ponderação, o exercício do direito previsto no aludido artigo não pode estar
sujeito à censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, através de lei,
conforme disposto no inciso II do art. 13 do referido Tratado. Sobre o caso
específico dos espetáculos públicos, há, como se pode observar, expressa
disposição acerca da excepcional possibilidade de censura prévia, todavia, com
o objetivo exclusivo de regular o acesso aos referidos espetáculos e para
proteção moral da infância e da adolescência, o que não é o caso dos autos.
Outrossim, no caso concreto não se vislumbra a hipótese prevista no inciso V,
pois não resta evidenciada incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime
ou à violência - muito pelo contrário. Como se observa de anteriores decisões a
respeito do próprio espetáculo, a obra destina-se a propalar a necessidade de
inclusão na sociedade de grupos LGBT, propondo reflexão a respeito dos
princípios cristãos, possuindo nítido caráter ficcional. Portanto, a prevalecer
o entendimento da decisão agravada, os expoentes da nossa cultura não teriam
liberdade de criar as suas obras para que o público pudesse deleitá-las,
estando sujeitos à vedada e prévia censura estatal, ainda que por meio
indireto, eis que retirada igualdade de tratamento na oferta do espetáculo ao
público, por meio do cancelamento de qualquer tipo de subvenção, inclusive
econômica. Tal posicionamento colide frontalmente com os tratados
internacionais dos quais o Brasil é signatário, e fere os contornos universais
do direito à liberdade de expressão. Do mérito administrativo É sabido que o
Poder Judiciário, dentro de sua competência de fiscalizar a atuação da
Administração, pode adentrar na análise do mérito administrativo, a fim de
garantir a observância das leis e dos princípios que regem os atos
administrativos. A Lei Estadual nº 11.781, de 06.06.2000, que regulamenta o
processo administrativo no âmbito da Administração Pública Estadual,
estabelece: “Art. 2º - A Administração Púbica Estadual obedecerá, dentre
outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade,
proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica,
impessoalidade e interesse público.
............................................................................................................omissis
Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos
e dos fundamentos jurídicos, quando: I - neguem, limitem ou afetem direitos ou
interesses; II - imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções; III -
decidam processos administrativos de concurso, licitações ou seleção pública;
............................................................................................................omissis
VIII - importem em anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato
administrativo. § 1º A motivação deve ser explícita, clara e congruente,
podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores
pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante
do ato.” A decisão administrativa que excluiu a peça teatral ora sob análise
pressupôs um juízo de conveniência e oportunidade por parte do administrador. A
utilização dessa prerrogativa administrativa deve privilegiar razões de
interesse público, pertinentes e suficientes para justificar tal conduta.
Veja-se que os atos discricionários da Administração estão sujeitos ao controle
pelo Judiciário quanto à legalidade formal e substancial, cabendo observar os
motivos embasadores dos atos administrativos que vinculam a Administração,
conferindo-lhes legitimidade e validade. (STJ, AgRg no REsp 1280729/RJ, 2ª
Turma, Rel. Min. Humberto Martins, j. 10/04/2012, p. DJe 19/04/2012.) A
propósito, cabe trazer a lume os ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Mello,
que a respeito do tema assim se manifestou: "Assim como ao Judiciário
compete fulminar todo o comportamento ilegítimo da Administração que apareça
como frontal violação da ordem jurídica, compete-lhe, igualmente, fulminar
qualquer comportamento administrativo que, a pretexto de exercer apreciação ou
decisão discricionária, ultrapassar as fronteiras dela, isto é, desbordar dos
limites de liberdade que lhe assistiam, violando, por tal modo, os ditames
normativos que assinalam os confins da liberdade discricionária."[4] Ora,
o caso sob exame trata de convite da Administração devidamente aceito pela
produção da peça teatral. Havendo a divulgação do calendário e das suas
atrações, pressupõe-se que esse ato administrativo atendeu aos princípios do
interesse público e da impessoalidade, porquanto tal peça se mostrou adequada à
proposta do festival, cujo lema é “Um viva à liberdade!” A atração nada mais é
do que um drama teatral, que busca conscientizar e estimular a reflexão sobre a
discriminação social de uma minoria, especialmente das transexuais e travestis.
O “forte clima de intolerância que se estabeleceu nas redes sociais” e a
“reação da Prefeitura de Garanhuns e da Diocese”, conforme ressaltado na
justificativa da FUNDARPE (id 4402971) não é motivo suficiente para excluir da
programação do festival a peça teatral ora sob exame. A exclusão da
apresentação prévia e regularmente selecionada pela curadoria responsável por
aprovar a programação do festival demonstra um comportamento contraditório da
administração (venire contra factum proprium) vedado pelo ordenamento jurídico,
máxime porque se anteriormente a peça já havia sido incluída na programação do
FIG/2018 por atender aos critérios estabelecidos no edital, não poderia o Poder
Público, de forma contraditória, sem justa motivação, excluí-la das
festividades. Não seria o caso, frise-se, de aplicação do art. 49 da Lei Geral
de Licitações (Lei nº 8.666/93), consoante justifica a Administração Pública
(id 4402971), porque, para tanto, a revogação do ato administrativo se pautaria
por razões de interesse público, por fato superveniente e devidamente
comprovado. Verifica-se, no entanto, que tal não é o caso dos autos: inexistiu
motivação idônea para o cancelamento do convite e tampouco houve fato
superveniente apto a justificar tal conduta. Some-se a isso o fato de que não
se trata de licitação propriamente dita, o que reforça o afastamento do
referido dispositivo legal. A decisão administrativa violou os princípios da
motivação, da ampla defesa e do contraditório, pois sequer foi dada
oportunidade aos produtores do evento teatral de manifestarem-se acerca de tal
exclusão. Houve, de fato, uma aplicação sumária do tribunal das redes sociais,
dominado por setores barulhentos da sociedade, mas que não necessariamente reflete
o pensamento da maioria. Por outro lado, o perigo pela demora na prestação
jurisdicional é evidente, eis que a data do agendamento inicial da peça teatral
se avizinha (dia 26/07/2018), não podendo aguardar-se pela manifestação da
parte contrária, uma vez que tal postergação poderá tornar inútil a apreciação
do pleito recursal.
Ante todo o exposto, convencido da ilegalidade da decisão
administrativa, DEFIRO O PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA RECURSAL,
determinando ao Estado de Pernambuco que reinclua, em até 24 horas, na grade de
programação do FIG/2018 - “Um viva à liberdade!” – a peça teatral “O Evangelho
Segundo Jesus, Rainha do Céu” regularmente selecionada, que estava prevista
para o dia 26/07/2018, para um público adulto, às 23h, garantindo ainda toda a
segurança necessária a consecução do evento, bem como que o Município de
Garanhuns se abstenha de embaraçar o cumprimento da presente tutela. Fixo desde
já multa no importe de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) pelo descumprimento da
presente decisão. Oficie-se ao Juízo de origem com urgência, comunicando o teor
desta decisão. Cópia da presente decisão servirá como OFÍCIO. Intimem-se os
agravados, com a máxima urgência, para: a) cumprirem o presente decisum de
forma imediata; b) no prazo legal, apresentarem contrarrazões.
Em seguida, intime-se o Ministério Público nos moldes do
artigo 1.019, III, CPC.
Publique-se. Intimem-se.
Cumpra-se. Caruaru, 24 de julho de 2018.
Des. Silvio Neves Baptista Filho Relator Substituto
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